A partir da segunda metade do século XIX, houve um aumento maciço da quantidade de imigrantes italianos que vinham em busca de uma melhor qualidade de vida, já que seu país de origem estava enfrentando uma forte crise em vista do processo de Unificação. Além disso, o Estado brasileiro fornecia o tempo todo e de forma peremptória propagandas de que era neste país onde se podia encontrar o "paraíso", tais imigrantes iriam receber terras, estrutura física quanto financeira para desenvolverem fazendas latifundiárias em prol de seu crescimento econômico e pessoal. Porém, muitos se decepcionaram ao chegar no Brasil, pois não obtiveram, nem chegaram perto de possuir e obter aquilo que lhes fora prometido.
Paralelamente a essa situação, o imigrante Antonio Perazzo viera ao Brasil e se instalara no sertão do pajeú, especificamente na cidade de Afogados da Ingazeira. Assim como retrata Ulysses Lins de Albuquerque em seu livro 'Um sertanejo e o sertão': "Mas não eram apenas os portugueses que se embrenhavam pelos sertões. Alguns italianos ali apareceram - em Afogados da Ingazeira, por exemplo, um Sansoni e um Perazzo deixaram seus nomes perpetuados através de gerações. E outros, em vários municípios."
Em meio a esta situação, a família teve uma afirmação e projeção social marcantes.
Homologamente a esta situação, deu-se a trajetória dos Perazzo na Amazônia, iniciada por Valdir Perazzo que fundou uma cepa da família neste território e que vem marcando com calorosos acontecimentos a vida social e cultural daquele lugar.
Sendo assim, podemos perceber o quão grande é a perspectiva visionária daqueles que fazem parte da família Perazzo, pessoas com uma coragem invejável e que pensam não só no crescimento individual, mas de toda a família, projetando, assim, valores que, por via das consequências, unem, cada vez mais, os parentes mais distantes, outrora desconhecidos entre os mesmos.
É neste ensejo que se faz mister a divulgação de um artigo escrito por Valdir Perazzo, no qual retrata um pouco da história de como surgiu a ideia de obter informações sobre sua origem, de obter a cidadania italiana e de deixar registrado uma árvore genealógica em livro para um conhecimento futuro das gerações vindouras.Além de mostrar como se deu a sua ida à Amazônia. Assim como diz José Américo de Almeida em seu livro 'A Bagaceira': "Tudo se desfaz, menos os elos nativos que prendem o homem à terra.O homem sempre será prisioneiro de sua origem".
A ITÁLIA NA AMAZÔNIA
Valdir Perazzo
Defensor Público
“Recorda-te da tua origem
Não foste feito para viver como os animais
Mas para seguir a virtude e a consciência”
Dante Alighieri
Em julho de 1992, eu e um grupo de brasileiros, participamos, em Roma, de um seminário de direito para advogados, na Universidade Urbaniana. Uma Universidade Católica de grande prestígio. O seminário foi organizado pela Congress. Uma Agência de Turismo que, anualmente, faz grandes grupos de juristas para excursões na Europa. Pelo menos fazia, antes dos atentados aos Estados Unidos. De Rondônia, lembro-me do Doutor Luiz Malheiros Tourinho, Doutor Alexandre Fonseca e do Desembargador Dimas Fonseca. Foi uma viagem inesquecível! Guardo o certificado - cujo texto está escrito em latim -, de participação com grande orgulho.
Em Roma despertou-me o interesse de descobrir minhas origens. Durante toda minha vida ouvi os parentes dizerem, com satisfação, que éramos de origem italiana. Especulavam que o parente que deu origem à família – Antônio Perazzo - era de Milão. Especulavam, posto que, Antônio Perazzo como camponês pobre e analfabeto, nada deixou sobre sua vida na sua pátria – a Itália. Olhei o catálogo telefônico e constatei que, efetivamente, havia muitos Perazzo em Roma e Milão. Mas como pesquisar se não sabia o ano de seu nascimento, o nome de seus pais e a localidade que havia nascido? Fiquei desalentado, mas não perdi a esperança.
Ao voltar para o Brasil, por alguns anos, deixei o projeto da busca das origens arquivado. Em 1995, mudei-me para Brasília. Trabalhei como assessor técnico do Senado Federal. Um dia de sábado, conversando com o escritor Rui Vieira sobre o assunto, este me estimulou a escrever um livro genealógico sobre os Perazzo. Fiquei convencido de que a busca das origens engrandeceria as Histórias do Brasil e da Itália. Dei início as pesquisas. No mesmo ano visitei o túmulo de Antônio Perazzo em Pernambuco. Para minha surpresa, não constava de seu epitáfio nem o ano de nascimento, nem o lugar onde havia nascido. Constava apenas o ano em que havia falecido: 1917.
Entrevistei todos os velhos da família. Tenho essas entrevistas gravadas em fita K-7. Os velhos eram netos de Antônio Perazzo. Quase nada sabiam. Albert Hourani, em Uma História dos Povos Árabes, diz que, os povos não letrados, depois da quinta geração já não sabem quem são seus ancestrais. No caso, na 2ª geração, meus parentes não sabiam mais quem havia lhes dado origem. Entrevistei meu pai. Deu-me a informação de que em 1942, durante a 2ª Guerra Mundial, havia sido portador de uma carta vinda da Itália. Muito provavelmente um pedido de ajuda. Mas essa carta se extraviou sem que conseguissem ler o seu conteúdo. Poderia ser o elo de ligação com os Perazzo italianos.
Em uma outra viagem a Pernambuco, fui à Igreja onde Antônio Perazzo provavelmente havia se casado. Fizemos a pesquisa, mas não localizamos seu certificado de casamento. Pedi ao pároco da Igreja que solicitasse da secretária novas buscas. Quando já estava em Brasília recebi a certidão de casamento de meu bisavô. As informações não eram completas. Não existia a informação do ano em que havia nascido e o lugar de nascimento era inexistente. A secretária grafou errado. O padre da Igreja vizinha onde meu bisavô se casou é italiano. Pedi-lhe que, ele próprio, verificasse os assentos de casamento de Antônio Perazzo. Finalmente, depois de anos de pesquisa, obtive a informação mais importante. Soube que Antônio Perazzo era de Salerno, no Reinado da Itália.
De posse desses dados, escrevi para o Arquivo de Estado em Salerno. Em fevereiro de 1997, recebi uma carta da Itália, cujo conteúdo era a certidão de batismo e de nascimento do meu bisavô. Por pouco não perdi essa informação. A carta da Itália foi postada para o Rio de Janeiro, na suposição de que a capital do Brasil era essa cidade. A partir daí dei início a uma verdadeira via crucis à Embaixada da Itália. Finalmente, em 21 de dezembro de 1998, depois de oito anos de pesquisa, que começou com aquela viagem à Itália, obtive o “riconoscimento della cittadinanza italiana”. Sou cidadão brasileiro e italiano por força do que dispõe o art. 12, parágrafo 4º, inciso II, letra “a” da Constituição Brasileira de 1988.
Enquanto buscava as origens, para efeito de obter a cidadania italiana, concomitantemente fui juntando as reminiscências da família para transformar em um livro. Pequenos retalhos, posto que, como disse, Antônio Perazzo nada deixou por escrito. A primeira e segunda gerações de Antônio Perazzo era de pessoas pouco letradas. Não organizaram a memória da família. Em 1999, publiquei, em parceria, o livro: “Da Itália Para o Brasil: Os Perazzo Em Pernambuco”. Não tem valor literário. O único valor é sentimental. Achei por bem publicar para dar conhecimento às gerações vindouras. Prestar uma homenagem a um homem pobre, analfabeto, sem falar a língua portuguesa, mas que teve a coragem de deixar a sua pátria para plantar uma geração no Brasil.
Como Antônio Perazzo, eu também fui imigrante. Em 1984, recém formado em direito, com poucas perspectivas de trabalho em Pernambuco, mudei-me para a Amazônia (Rondônia). Aqui fui bem acolhido e me profissionalizei. Antônio Perazzo foi bem recebido no Brasil e teve êxito. Imigrante pobre, casou-se com uma filha do patriciado rural e projetou-se socialmente. Antônio Perazzo veio para o Brasil fazer a América, como diziam os italianos. Eu, como os demais imigrantes de Rondônia, viemos fazer um novo Estado. Aqui plantei uma geração. Os Perazzo de Rondônia saberão, posto que registrei em livro, de onde vieram daqui a 200 anos. Um livro é um registro indelével.
Por quê dou esse depoimento? A presença italiana em Rondônia, como de resto em toda a Amazônia, é imensa. Em 1903, quando Rio Branco começava a existir, no lugarejo, constatava-se a presença italiana. A saga italiana segue a História do Brasil. Dos 03 (três) Senadores de Rondônia, 02(dois) são de origem italiana: Moreira Mendes e Amir Lando. O Governador de Rondônia é de origem italiana: Bianco. Dos prováveis candidatos ao Governo de Rondônia, creio que 04 (quatro) são de origem italiana: Bianco, Lando, Cassol e Valverde.
Folheando o livro “História, Curiosidades e Relatos Inéditos”, sobre a colonização de Ji-Paraná, do jornalista João Vilhena, editado pelo empresário Luis Bernardi, observo que mais de 30% das famílias citadas no livro são de descendentes de italianos. Vejamos: Lamota, Bártolo, Paio, Dalamartha, Tornoschi, Gazoni, Canuto, Laurito, Bernardi, Vale, Fontenelle, Sales, Borgio, Vilela, Pavan, Esteves, Coleto, Bianco, Falco, Sanchotene, Perote, Piloto, Malini, Matana, Benevenuti, e Ronconi. Pessoas, cujos pais fizeram a América, e eles próprios estão fazendo Rondônia e a Amazônia.
Portanto, meu modesto livro pode servir de paradigma para que outros descendentes de italianos como eu, que estão fazendo Rondônia, organizem a memória de suas famílias, bem como obtenham a cidadania italiana, evitando assim que a memória dos dois países não se perca na noite da História.
Abraços a todos,
Álvaro Monteiro Perazzo